Gestão Universitária em meio à pandemia: um modelo de governança de crise na UFSC

Fonte da foto: arquivo pessoal

Por Aureo Moraes

Criada em 18 de dezembro de 1960, implantada em 1962, a Universidade Federal de Santa Catarina faz parte do Sistema de Instituições Federais de Ensino Superior que se governam por um modelo comum a quase todas. Sua estrutura está definida por Estatuto e seu funcionamento regulado por Regimento Interno.

Uma arquitetura de gestão que transforma as IFEs em exemplo único entre os entes do Estado Brasileiro. Ainda que haja o que se pode definir como “estrutura hierárquica” de funções – Reitor, Vice Reitor, Pró Reitores, Secretários, Assessores (no âmbito da administração central)  e Diretores de Unidades, Chefes de Departamentos, Coordenadores de Graduação e Pós Graduação (no âmbito acadêmico) – tal hierarquia se expressa pouco no que diz respeito às decisões. Estas são, em regra, tomadas em instâncias colegiadas. Assim é que funcionam desde colegiados de Curso, Conselho de Unidade, Câmaras e Conselhos Superiores. E é nestes espaços que a instituição constrói a maior parte de suas políticas.

Em condições de normalidade as discussões em colegiados se processam por meio das inúmeras Portarias, resoluções e outras normas de caráter similar. Isso, insisto, em condições normais. Logo, como deve se dar a gestão de uma crise, como a atual, provocada pela pandemia? Foi essa a grande questão que a administração da UFSC formulou tão logo decidiu – neste caso por ato do Gabinete do Reitor – suspender toda e qualquer atividade presencial no dia 15 de março. À parte as críticas à época de que “era cedo para fechar”, ou que “foi uma decisão precipitada”, a decisão revelou-se, pouco tempo depois, inspiradora para outras entidades públicas. E alcançou seu principal objetivo: preservar vidas. Apenas como exemplo, veja-se que uma população de cerca de 50 mil pessoas (docentes, técnicos e estudantes), em 05 campi, literalmente ficaram em casa. Se acrescentarmos outro contingente associado a este, de familiares e grupos de convivência, exponencialmente a Universidade contribuiu para reduzir sensivelmente o risco de se transformar em polo de contágio da COVID-19.

As circunstâncias que se seguiram à suspensão de atividades presenciais passaram a exigir da gestão da UFSC uma proposta que desse conta de respeitar a natureza democrática, participativa e horizontal de decisões. Mas desde logo se entendeu que tal proposta deveria extrapolar os limites regimentais das instâncias colegiadas. Não para ignorá-las. Mas para fortalecê-las e qualificar uma discussão de tamanha complexidade. Basta lembrar que a suspensão de atividades impactou o ensino – do infantil à Pós Graduação; o atendimento de políticas de apoio à permanência – Restaurantes Universitários e Bibliotecas; atividades administrativas que, de uma hora para a outra, passaram de presenciais a remotas, afetando rotinas e procedimentos consolidados; aulas e projetos dependentes de práticas em laboratórios e saídas de campo; reflexos emocionais e psicológicos, enfim, um sem número de implicações no cotidiano de milhes de pessoas.

Foi assim que, em 11 de maio de 2020 foi publicada a Portaria Normativa Nº 360/2020/GR. Tal documento consolidou a constituição do Comitê de Combate à Pandemia do COVID-19, presidido pelo Reitor, com a finalidade de propor, coordenar e executar ações voltadas ao acompanhamento da pandemia e apresentar, nos limites da atuação definida na portaria normativa, medidas de restabelecimento e funcionamento da UFSC ao longo e após as situações geradas pela pandemia do COVID-19.

O documento previu, então, a formação de um Comitê Assessor e 5 (cinco) subcomitês temáticos: o Subcomitê Científico, o Subcomitê de Infraestrutura e Administração, o Subcomitê de Comunicação, o Subcomitê Acadêmico e o Subcomitê de Assistência Estudantil. Entre as atribuições de cada um havia as seguintes definições: propor medidas e ações necessárias ao enfrentamento da pandemia, nas suas respectivas áreas; propor a produção de documentos (portarias, ofícios, resoluções) a fim de, quando for o caso, submeter sua aprovação junto às instâncias devidas na UFSC; produzir relatórios de acompanhamento das medidas e ações a serem submetidos ao Comitê de Combate à Pandemia do COVID-19; e requerer das unidades administrativas e acadêmicas informações a respeito da situação, a fim de subsidiar suas decisões e as proposições. Na composição de cada um dos subcomitês, no comitê assessor e no comitê central, presidido pelo Reitor, convidou-se todos os setores e segmentos da Instituição, com participação de todas as Unidades acadêmicas e administrativas e representantes das entidades representativas de docentes, técnicos e estudantes – de graduação e pós graduação. Além destes, também representantes das prefeituras municipais em que a UFSC tem campi – Florianópolis, Araranguá, Blumenau, Curitibanos e Joinville.

Em 19 de junho o Comitê Assessor concluiu o relatório final, com 42 páginas além de vários anexos, fruto do trabalho dos demais subcomitês. O relatório foi então encaminhado a todos os setores e subsidiou debates, discussões e análises nas instâncias colegiadas (Cursos, Programas e Conselhos de Unidades). Após esse período de discussão, o documento foi transformado em uma “minuta” de Resolução, submetida ao Conselho Universitário e convertida, em 21 de julho de 2020, na Resolução nº 140/CUn/2020, que dispõe sobre o redimensionamento de atividades acadêmicas da UFSC, suspensas excepcionalmente em função do isolamento social vinculado à pandemia de COVID-19, e sobre o Calendário Suplementar Excepcional referente ao primeiro semestre de 2020. Estavam propostas as bases para a retomada de aulas, na modalidade não presencial, depois de um exaustivo e completo estudo, alcançando a complexidade da instituição.

Antes mesmo da consolidação do projeto de retomada, inúmeros outros normativos foram editados, garantindo o funcionamento de toda a Universidade, majoritariamente na forma remota, e permitindo que o período da pandemia e suas consequências estejam sendo enfrentadas com cautela, seriedade e responsabilidade. E, mais importante: ouvindo e respeitando a comunidade universitária.

*Aureo Moraes: Docente no Departamento de Jornalismo e Chefe do gabinete do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a visão do INPEAU