A Pandemia e a gestão universitária

Fonte da foto: arquivo pessoal

Por Nelson Santos Machado

A pandemia do Corona Vírus demonstrou a fragilidade do ser humano, os efeitos da desigualdade social e as diferentes respostas dos governos mundiais diante de um mesmo fenômeno. Este é o pano de fundo inicial para discutir os desdobramentos na educação superior e as respostas da gestão universitária brasileira.

Há muito o ser humano optou por uma vida centrada na atividade profissional, com baixa interação com a natureza, redução do tempo de convívio familiar e refém das comodidades de um mundo tecnologizado no qual as atividades físicas podem ser evitadas, em especial pelo imperativo do trabalho. Neste cenário, um vírus diferente, inesperado e aparentemente controlável se espalha mundialmente alavancado pela globalização e rápido deslocamento humano pelo planeta.

Nessa disseminação, a desigualdade social se mostrou catalizadora tanto da contaminação quanto da elevação da taxa de mortalidade, diante de nações despreparadas para lidar com problemas epidemiológicos. Decorrente, idosos e pessoas carentes das populações periféricas das grandes cidades se contaminaram e muitos morreram sem condições de acesso ao tratamento mínimo requerido, diante do ineditismo do fenômeno na escala em que se apresentou. Logo, das grandes cidades, a contaminação toma o país de assalto.

Neste cenário complexo, governos de diversos países criaram um conflito nocivo na indecisão de combater a pandemia ou os reflexos econômicos dela, como se fosse possível dissociar uma coisa da outra, gerando indecisão, conflitos e mais mortes. Tivesse realmente estabelecido medidas duras de isolamento concentradas nacionalmente num mesmo período de tempo, talvez a própria economia se restabelecesse após a contenção decidida da fase de contágio.

Neste complexo ambiente, a gestão universitária enfrentou seus maiores desafios, no que a história recente contribuiu fortemente, em especial pelo apego à uniformidade e ao centralismo, que se unem para inibir ou imobilizar as iniciativas para lidar com as diferenças de um país com características continentais. O vasto controle legal e regulatório oriundo do apego a uniformidade engessa a estrutura, as condições objetivas e, como reflexo, as estratégias adotadas. E tem-se um perfil marcante e uniforme de universidades públicas, comunitárias e privadas, cada uma manejando para cumprir papéis também distintos. As universidades públicas com investimento público para internalização da pesquisa, as comunitárias focadas no ensino, mas com uma visão de vínculo com o desenvolvimento regional, e as privadas numa relação comercial de ofertar a qualidade possível à rentabilidade visada por proprietários e acionistas, sem nenhum demérito num mundo capitalista e centrado na acumulação de riqueza como fonte de poder.

Essa uniformidade dá origem ou se completa com o centralismo, que se manifesta na espera das universidades pelas decisões que emanam dos órgãos reguladores para simplesmente se adaptarem a elas da melhor maneira possível e, óbvio, mediadas pelos interesses institucionais. Daí deriva elevada padronização aceita por todos, por saber que o Estado regula tudo por leis e normas, mas sem capacidade de controlar e avaliar de maneira proporcionalmente devida o que realmente acontece no interior das instituições de ensino superior, no qual a tônica é aparentar o pleno cumprimento das normas e métricas avaliativas, num esforço e consumo de energia institucional que inibe o atendimento da diversidade existente no território nacional. Para que ser criativo se logo a norma vem e determina tudo, fecha todas as lacunas? Parece que sem as normas, o sistema universitário brasileiro não saberia o que fazer, quando é justamente ao contrário. Com normas flexíveis e regulação efetiva, o ambiente é fértil para a busca de soluções e oportunidades às diversas demandas ambientais, centradas na qualidade de serviços que são essencialmente de utilidade pública.

É neste cenário e em nenhum outro que a gestão universitária foi desafiada pela pandemia em tela. Não acompanho a premissa que a universidade tem que estar à frente do que acontece na sociedade pelo simples motivo que esta mesma universidade é formada por pessoas que estão profundamente impregnadas e arraigadas a esta mesmo sociedade que deveria modificar. Como uma instituição engessada e asfixiada pelo apelo às normas e a uniformidade vai produzir mudanças na sociedade? E quero frisar que em nada pretendo desmerecer o papel da universidade no desenvolvimento de uma nação. Apenas deixo marcada a falta de condições objetivas para que as universidades cumpram seu papel.

Então, onde entra a gestão universitária neste momento de pandemia? Fica, primeiro, à espera do que o órgão regulador vai indicar que seja feito. Manda todos ficarem em casa, todos ficam em casa. Determina e faculta o uso da EaD em larga escala, corre-se aprender a usar a EaD, para aquelas na qual o ensino era centrado na modalidade presencial. Mas em velocidades diversas, em geral, nas públicas de forma mais comedida, e nas comunitárias e privadas que dependem de receitas dos alunos e fontes de fomento, de forma mais acelerada. No caso das comunitárias e privadas, rapidamente se convencem que estão usando plena e adequadamente os recursos da EaD para preservar a qualidade almejada de educação. Abundam lives de todos os lados, aulas gravadas, trabalhos em grupos virtuais, com os Núcleos Pedagógicos trabalhando incessantemente para prover capacitação a rodo, em especial, aos menos familiarizados com os recursos do mundo digital remoto. Enquanto isso, todos estão em casa, angustiados pela falta de convívio habitual. Neste contexto, parcela significativa de alunos se mostra disposta a encarar os desafios do ensino remoto, com as dificuldades que dispõe de acesso à internet e a outros recursos.

Então, nessa visão pessimista (ou realista) da conjuntura da gestão universitária brasileira, 2020 foi, é e será um ano perdido? Absolutamente não. Os reflexos de uma crise dessa proporção serão sentidos não no corrente ano, mas nos anos seguintes, como foi em diversas crises da história da humanidade. Haverá fortes avanços no uso dos recursos digitais disponíveis, não para segregar às IES presenciais das a distância (no afã de colocar cada coisa na sua caixinha), mas para incorporar uma prática na outra. Talvez, mas sem grandes expectativas, as IES consigam se libertar da uniformidade e centralismo que inibe a diversidade e a criatividade para atender às sociedades ao seu entorno de forma plena. Ou seja, podemos estar diante dos primórdios de uma mudança estrutural e conjuntural maior, mas que não depende apenas das universidades. Então, que venha o futuro que nos espera, que pode ser de manutenção das condições anteriores à pandemia; ou que vamos construir, numa mudança substancial do asfixiante modelo vigente. Não é só o Corona Vírus que produz asfixia. A metáfora é verdadeira.

Espero que vários dentre os leitores deste despretensioso texto discordem ou concordem do todo ou em parte, justamente para suscitar a reflexão e a discussão que são impulsionadoras de mudança. São pelas reflexões, discordâncias, convergências que emergem encaminhamentos e soluções para uma gestão universitária efetivamente autônoma, pois o futuro depende de sonhos que um dia se tornarão realidade. Do contrário, já sabemos onde vai dar.

*Nelson Santos Machado: professor e pesquisador do Mestrado Profissional e Doutorado em Administração da Unoesc, Campus Chapecó (SC)

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a visão do INPEAU